Por: Caren Teixeira da Silva
Não se preocupemo co jeito que falemo: Considerações acerca das concepções de linguagem e consciência linguística envolvidas no processo ensino/aprendizagem da língua, é o título de um brilhante artigo da Mestra Daniela Cardoso. No texto, a autora questiona as práticas exercidas no processo de ensino/aprendizagem da língua materna, tendo em vista que a escola desempenha de forma ineficaz seu papel de formar bons leitores e escritores.
Publicado em 2004, pela Revista virtual de estudos da linguagem, o artigo é mais uma tentativa enfatizar a importância do respeito às variações linguísticas, pois a normatização da língua faz com que as pessoas se envergonhem da sua variação.
Em um primeiro momento, a professora traz ideias dicotômicas de autores renomados que estudam a questão linguística, permitindo ao leitor uma maior compreensão e reflexão da temática. O primeiro a ser citado é Saussure que, com sua visão estruturalista, estuda a língua independente do sujeito. Em oposição, Bakhtin estuda a língua levando em conta as relações sociais, compreendendo-a como atividade humana, assim como Marx e Engels, também citados pela autora, que dizem ser as relações sociais a razão da linguagem.
Ao tratar da identidade linguística, a gaúcha cita França, que diz que é através da fala que nos deixamos reconhecer pelos outros. Neste mesmo sentido, Fiorin aborda a linguagem como a mediadora do processo de construção de identidade por meio das relações sociais, afirmando que a língua faz com que os indivíduos façam parte de um determinado grupo social.
No quarto tópico - Diversidade e unidade linguística, Cardoso relata que a variação linguística é consequência das diferenças sociais causadas pelo fato da educação de qualidade ser privilégio de poucos. E como já era de se esperar, a linguista faz referência à Bagno, que com competência trata do “preconceito linguístico” existente em nossa sociedade.
Nessa direção, a autora discute sobre “o critério da norma culta”, relatando que é a partir da variação social que se constrói a padronização da língua, visto que, a variedade padrão é e sempre será a falada pela classe dominante. Nesse momento, Cardoso utiliza a idéia de Alkmin para mostrar que a tentativa de unificação da língua é o mesmo que tentar impor a cultura da classe dominante a outros grupos sociais.
A última seção é destinada a reflexões acerca de transcrições de diálogos de alunos, filhos de agricultores do MST, da Escola Estadual 29 de Outubro, localizada no Assentamento 16 de Março, no Rio Grande do Sul. A linguísta chega ao ápice do texto, mostrando, por meio de exemplos reais, as angústias e tensões existentes em um meio social de falantes da variação não padrão. È surpreendente e, até mesmo, emocionante ver como aquelas crianças se sentem reprimidas e humilhadas. Mesmo sem saberem os conceitos de variação e norma culta, as crianças identificam o “certo” e o “errado” a partir do momento que são corrigidas de maneira agressiva pelos professores, e que são humilhadas pelos colegas quando utilizam a variação diastrática
Apesar do reconhecimento das variedades linguísticas, as crianças apresentam resistência em mudar. O motivo pelo qual elas querem aprender a norma culta é o de não passar mais vergonha, pois para esses pequenos seres a única função da língua é compreender e ser compreendido.
Cardoso finaliza o texto relatando que as escolas, em sua maioria, trazem concepções estruturalistas, não respeitando sua identidade linguística. A proposta da Mestra, formada pela PUCRS, é que no processo de ensino/aprendizagem haja uma aceitação das variedades. Posteriormente, os professores devem conscientizar os alunos das diversas possibilidades de leitura. Por fim, a escola deve promover a emancipação do aluno, que, consciente das funções da linguagem, possa se posicionar e utilizar a língua de forma coerente.
A leitura desse artigo possibilita novas reflexões e questionamentos sobre a variação linguística e o impacto que elas causam em alguns setores sociais. Após a visualização das práticas de ensino/aprendizagem e dos danos que essa prática causa aos alunos, mostrada de forma tão profunda e sensível por Daniela Cardoso, o leitor jamais terá a mesma visão de mundo. Este texto é, sem dúvidas, indispensável para os atuantes e futuros profissionais da educação.
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